Compasso e Esquadro

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sábado, 7 de junho de 2014

Crack, do mal: obrigatório x contraditório – processos de tratamento e compulsoriedade

Por Maria Lucia Karam

Jesus Cristo
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LEAP - Tratamentos médicos obrigatórios integrados ao sistema penal violam o princípio da culpabilidade, não passando de penas mal disfarçadas, ilegitimamente impostas a autores de comportamentos correspondentes a ilícitos penais que, por serem portadores de transtornos mentais, não são culpáveis e, portanto, não praticam crimes.

 Derivando do reconhecimento da capacidade de escolha do indivíduo, o princípio da culpabilidade condiciona o exercício do poder punitivo à demonstração da possibilidade exigível de motivação conforme a lei do autor da conduta penalmente ilícita (o injusto penal) concretamente realizada.
Assim, além de impedir a reprovação pela mera causação de um resultado lesivo (imputação de resultado fortuito), o princípio da culpabilidade impede qualquer reprovação por uma escolha que a pessoa não pôde fazer, ou que se a reprove quando não pôde exercitar sua capacidade de escolha, sempre considerada tal escolha tão somente em relação à conduta ilícita concretamente realizada.
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Para o reconhecimento da prática de um crime, não basta a realização de uma conduta, definida em um dispositivo legal criminalizador, significativamente ofensiva de um bem jurídico individualizável e não permitida pela ordem jurídica (a conduta penalmente ilícita ou o injusto penal), sendo ainda indispensável que, nas circunstâncias em que concretamente realizada aquela conduta penalmente ilícita, pudesse seu autor ter agido de outra forma, neste enunciado se contendo a concepção da culpabilidade como exigibilidade.
Para que o Estado possa exigir este outro comportamento, faz-se necessário, antes de tudo, que a pessoa tenha capacidade psíquica de compreensão ou de autodeterminação, em relação ao caráter ilícito de sua conduta. A incapacidade psíquica, configurando a inimputabilidade, necessariamente afasta a culpabilidade e, conseqüentemente, a existência do crime.
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dependentes usando a droga
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Embora reconhecendo a ausência de culpabilidade e, assim, a inexistência de crime nas condutas daqueles que se revelam inimputáveis, diversos ordenamentos jurídico-penais, paradoxalmente, insistem em alcançá-los, ao impor, como conseqüência da realização da conduta penalmente ilícita, as chamadas medidas de segurança, com base em uma alegada “periculosidade” atribuída a seus inculpáveis autores.
Aqui se manifesta a aliança entre o direito penal e a psiquiatria, responsável por trágicas páginas da história do sistema penal. É sempre bom lembrar a simetria existente entre o manicômio e a prisão, instituições totais de controle, que têm sua origem comum nos séculos XVIII e XIX.
 Quando se considera a conduta penalmente ilícita como um diferencial entre enfermos mentais, submetendo-se os que são apontados como inimputáveis autores daquela conduta à intervenção do sistema penal, o que se está efetivamente fazendo é passar por cima do princípio da culpabilidade, para, assim, impor-lhes uma indevida punição pela prática daquela conduta.
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No que concerne a meros dependentes de drogas, a imposição de um tratamento médico obrigatório, integrado ao sistema penal, antes mesmo de violar o princípio da culpabilidade, reafirma a igualmente inconstitucional violação da liberdade individual, da intimidade e da vida privada, presente em qualquer intervenção do Estado sobre autores de condutas que não afetam concretamente bens jurídicos de terceiros, como é o caso da posse de drogas para uso pessoal ou seu consumo em circunstâncias que não ultrapassem o âmbito individual.
O tratamento de qualquer transtorno mental não é compatível com o caráter punitivo, que está indissoluvelmente ligado à sua determinação por parte de órgãos da justiça criminal. Não bastasse o comprometimento do tratamento – como esperar que um paciente se abra com um terapeuta, que age, ao mesmo tempo, como uma espécie de informante? –, sua integração ao sistema penal implica no rompimento com a ética que deve presidir as relações entre terapeuta e paciente. 
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Dependente sendo agredido
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Baseando-se na confiança e no sigilo, voltados para a proteção do paciente, esta ética é necessariamente violada, quando o profissional da saúde, encarregado do tratamento, violando a intimidade daquele que está sendo tratado, violando o dever de sigilo inerente à sua profissão, relata – ou, talvez seja mais apropriado dizer, delata –, para um órgão de controle, comportamentos do paciente, que poderão atuar contra ele, piorando sua situação jurídica.
No campo dos transtornos mentais, definitivamente, não há espaço para qualquer intervenção do sistema penal. 
Mas, não vim aqui apenas para falar da ilegitimidade de qualquer tratamento vinculado ao sistema penal.
Quando se cuida de discutir temas relacionados a drogas, é preciso sempre falar sobre os inúmeros riscos, danos e enganos – a violência, as doenças, as violações a direitos fundamentais – provocados pela proibição, pela política antidrogas, pela insana e nefasta guerra às drogas.
A proibição nem sempre existiu, o que já mostra que no futuro ela pode, precisa e seguramente deixará de existir. Com efeito, a criminalização das condutas de produtores, comerciantes e consumidores de algumas drogas que foram tornadas ilícitas é um fenômeno que se registra, a nível global, somente a partir do século XX.
Tendo o crack no centro das discussões desse encontro, é preciso desde logo lembrar que quanto mais potencialmente danosa, quanto mais perigosa uma droga, maiores são as razões para que seja legalizada, pois não se pode controlar ou regular aquilo que é ilegal.
A intervenção criminalizadora do Estado sobre o mercado de determinadas drogas entrega esse mercado a agentes econômicos que, atuando na clandestinidade, não estão sujeitos a quaisquer limitações reguladoras de suas atividades. Um dos maiores paradoxos da proibição está no fato de que a ilegalidade significa exatamente a falta de qualquer controle sobre o supostamente indesejado mercado.
São os criminalizados agentes que decidem quais as drogas que serão fornecidas, qual seu potencial tóxico, com que substâncias serão misturadas, qual será seu preço, a quem serão vendidas e onde serão vendidas. 
Somente a legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas afastará esses descontrolados agentes do mercado, devolvendo ao Estado o poder de regular, limitar e controlar a produção, o comércio e o consumo dessas substâncias, como já o faz em relação a outras substâncias da mesma natureza, igualmente desejadas por muitas pessoas – as drogas já lícitas, como o álcool e o tabaco.
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A falácia do suposto “controle penal” (que, vale repetir, na realidade, é um descontrole) nitidamente aparece em pesquisas periodicamente realizadas nos EUA. “Monitorando o Futuro”, estudo sobre atitudes de estudantes em relação a drogas, mostra que os adolescentes nas escolas médias norte-americanas relatam que é mais fácil comprar drogas ilícitas do que cerveja e cigarros.
Com efeito, os quase cem anos de proibição, com seus quarenta anos da insana e nefasta “guerra às drogas” – como insanas e nefastas são todas as guerras – revelam o estrondoso fracasso dessa política antidrogas, em seus declarados objetivos de erradicar as substâncias proibidas ou, mais modestamente, reduzir sua circulação.
O resultado, depois de todos esses anos, é que as drogas ilícitas foram se tornando mais baratas, mais potentes e muito mais facilmente acessíveis. 

Aliás, vale notar que o próprio crack é um resultado da política antidrogas, como, consciente ou inconscientemente, reconheceu o diretor-geral da Polícia Federal brasileira, em seu discurso na 27ª International Drug Enforcement Conference, reunida, há uma semana, no Rio de Janeiro. Pretendendo louvar um suposto sucesso da repressão, acabou por afirmar que dificuldades impostas pela repressão à produção de cocaína fizeram com que as “quadrilhas de traficantes” buscassem uma alternativa que se concretizou no crack.
Com efeito, os diferentes ciclos do consumo de drogas são determinados, em grande parte, pelas leis da economia, com as específicas e danosas repercussões que, sobre elas, exerce a proibição. Somando-se a fatores relativos às demandas naturalmente formadas e àquelas artificialmente criadas, comuns ao funcionamento de qualquer mercado, opera aqui o fator específico que contribui para o surgimento de novos produtos. No mercado tornado ilegal, eventuais êxitos repressivos que reduzam a oferta das mercadorias tornadas ilícitas incentivam produtores, distribuidores e consumidores a buscar outras substâncias, podendo conduzir – como, de fato, têm conduzido – à chegada a esse mercado de novos produtos mais lucrativos e/ou mais potentes em seus efeitos primários (efeitos derivados da própria natureza da substância).
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de evangelização
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Este não é apenas o caso do crack. No mercado dos opiáceos, por exemplo, o ópio fumado ou bebido acabou sendo substituído pela heroína injetável. Durante a proibição do álcool nos EUA, no período de 1920 a 1933, o comércio de cerveja e vinho perdeu espaço para vendas de outras bebidas alcoólicas mais fortes, mais concentradas, lucrativas e perigosas, como uísque e gin.
Vale remarcar que o álcool foi legalizado, com o fim da chamada Lei Seca, não porque tivesse deixado de ser visto como uma droga perigosa e potencialmente viciante. Foi legalizado porque os EUA compreenderam que não podiam mais conviver com os desastrosos efeitos de sua proibição.
O estrondoso fracasso da política antidrogas, em seus declarados objetivos de erradicar as substâncias proibidas ou reduzir sua circulação, já deveria ser razão suficiente para o abandono da globalizada política proibicionista. O fracasso, no entanto, nem é algo assim tão grave. É apenas um eloquente sinal da inutilidade da proibição. 
Mais importante do que o fracasso é a igualmente evidente – porém ocultada – constatação dos enganos e dos imensos riscos e danos causados pela proibição.
Pensar nas drogas já lícitas, como o álcool e o tabaco, pode nos ajudar a tratar desse tema de forma mais racional.
A produção e o comércio de álcool ou de tabaco se desenvolvem sem violência – disputas de mercado, cobranças de dívidas, tudo se faz sem violência. Por que é diferente na produção e no comércio de maconha, de cocaína, do crack?
A diferença está na proibição, na política antidrogas, na insana e nefasta guerra às drogas. 
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Não são as drogas que causam violência. A produção e o comércio de drogas não são atividades violentas em si mesmas, como claramente se vê em relação ao álcool e ao tabaco. Essas atividades econômicas só se fazem acompanhar de armas e de violência quando se desenvolvem em um mercado ilegal. É a ilegalidade que cria e coloca no mercado empresas criminalizadas que se valem de armas não apenas para enfrentar a repressão. As armas se fazem necessárias também em razão da ausência de regulamentação e da conseqüente impossibilidade de acesso aos meios legais de resolução de conflitos. 
Mas, a violência não provém apenas dos enfrentamentos com as forças policiais, da impossibilidade de resolução legal dos conflitos, ou do estímulo à circulação de armas.
A diferenciação, o estigma, a demonização, a hostilidade, a exclusão, derivados da própria idéia de crime, sempre geram violência, seja da parte de agentes policiais, seja da parte daqueles a quem é atribuído o papel do “criminoso”, ainda mais quando o poder punitivo se agiganta e se inspira no paradigma da guerra e os autores de crimes recebem não apenas a marca do “outro”, do “mau”, do “perigoso”, mas são apontados como o “inimigo”.
A clara correlação entre aumento da repressão e aumento da violência, especialmente homicídios, é apontada em estudo científico publicado no Canadá em março de 2010 pelo British Columbia Centre for Excellence in HIV/AIDS.
A situação no México é tragicamente esclarecedora. Desde a posse do Presidente Calderón, em dezembro de 2006, quando a guerra às drogas naquele país foi intensificada, com a utilização das Forças Armadas na repressão aos chamados “cartéis”, aconteceram mais de 18.000 homicídios relacionados à proibição: foram aproximadamente 8.000 em 2009; somente até a metade de março deste ano de 2010 já se registraram 2.213 homicídios.  
 No Brasil, os “inimigos” nessa guerra às drogas são personificados especialmente nos vendedores de drogas, demonizados como os “traficantes” ou os “narcotraficantes” (mesmo que não vendam narcóticos, pois vendem especialmente cocaína...).

Tortura
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 As polícias brasileiras são autorizadas formal ou informalmente e mesmo estimuladas a praticar a violência, a tortura, o extermínio, contra eles ou contra quem a eles se assemelhe. Certamente, quem atua em uma guerra, quem deve “combater” o “inimigo”, deve eliminá-lo. Como se espantar quando os policiais brasileiros torturam e matam?
Por outro lado, os ditos “inimigos” desempenham esse único papel que lhes foi reservado. Em sua maioria, são meninos que empunham metralhadoras ou fuzis como se fossem o brinquedo que não têm ou não tiveram em sua infância. Sem condições de realizar o sonho ou a fantasia dos muitos meninos pobres brasileiros de algum dia se tornarem um jogador de futebol famoso; sem acesso a uma educação de qualidade; morando em habitações precárias nos guetos denominados favelas; sem oportunidades ou mesmo perspectivas de uma vida melhor, podem ser cruéis. Matam e morrem, envolvidos pela violência causada pela ilegalidade imposta ao mercado onde trabalham. Enfrentam a polícia nos confrontos regulares ou irregulares; enfrentam os delatores; enfrentam os concorrentes de seu negócio. Devem se mostrar corajosos; precisam assegurar seus lucros efêmeros, seus pequenos poderes, suas vidas. Não vivem muito e, logo, são substituídos por outros meninos igualmente sem esperanças. 
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Reconhecidos apenas como os “narcotraficantes”, os “maus”, os “monstros”, os “inimigos”, por uma sociedade que não os vê como pessoas, como se espantar com sua violência ou sua crueldade? Se seus direitos lhes são negados, como pretender que aprendam a respeitar os direitos alheios?
Além de causar violência, a proibição, a política antidrogas, a insana e nefasta guerra às drogas causa riscos e danos à própria saúde, enganosamente utilizada como pretexto para a intervenção do sistema penal sobre as condutas de produtores, comerciantes e consumidores das selecionadas substâncias tornadas ilícitas.
Sempre cabe esclarecer que o sistema penal não serve para proteger nada nem ninguém. Leis penais longe estão de evitar a realização de condutas que, por elas criminalizadas, são chamadas de crimes. O sistema penal, na realidade, serve tão somente para exercitar o enganoso, danoso e doloroso poder punitivo. No âmbito da criminalização das ações relacionadas às drogas tornadas ilícitas, o engano é ainda maior: mais do que não proteger a saúde, a intervenção do sistema penal causa sim danos e perigo de danos a essa mesma saúde que enganosamente anuncia pretender proteger.
A clandestinidade, imposta pela proibição, implica a falta de controle de qualidade das substâncias tornadas ilícitas e consequentemente o aumento das possibilidades de adulteração, de impureza e desconhecimento do potencial tóxico daquilo que se consome. 
A clandestinidade cria a necessidade de aproveitamento imediato de circunstâncias que permitam um consumo que não seja descoberto, o que acaba por se tornar um caldo de cultura para o consumo descuidado e não higiênico, cujas conseqüências aparecem de forma dramática na difusão de doenças transmissíveis como a Aids e a hepatite.
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A demonização das substâncias proibidas as apresenta como um mal em si mesmas, sem que se considerem as diferentes formas em que pode se dar seu consumo. Com base nessa visão maligna e na inviável e indesejável pretensão de erradicar toda forma de consumo, fazem-se campanhas impositivas da total abstinência, consagrando slogans do tipo “diga não às drogas”, ou campanhas aterrorizadoras, não raro seguidas de imagens de degradação de pessoas apresentadas como se fossem representativas da totalidade do universo de consumidores. A falta de credibilidade do discurso aterrorizador, fundado em uma distorcida generalização, acaba por conduzir à desconsideração de quaisquer recomendações ou advertências seriamente feitas sobre alguns riscos e danos à saúde que realmente podem advir de um consumo excessivo, descuidado ou descontrolado não só das drogas tornadas ilícitas, como de todas as substâncias psicoativas, ou mesmo dos mais diversos produtos alimentícios.
A carga do proibido sugere a ocultação, assim dificultando o diálogo, a busca de esclarecimentos e informações, especialmente no que concerne a adolescentes e seus familiares ou educadores. Além disso, a artificial distinção entre drogas lícitas e ilícitas, concentrando sobre estas últimas os medos e os perigos anunciados, costuma conduzir à total despreocupação familiar e pedagógica com o eventual abuso das primeiras, não sendo incomum que pais, que temem as drogas ilícitas, incentivem e até sintam certo orgulho com o primeiro “porre” de seus filhos.
A proibição ainda introduz um complicador à assistência e ao tratamento eventualmente necessário, funcionando tanto como fator inibitório à sua procura, por implicar na revelação da prática de uma conduta tida como ilícita, às vezes com trágicas conseqüências, como em episódios de overdose em que o medo dessa revelação paralisa os companheiros de quem a sofre, impedindo a busca do socorro imediato, quanto como fator de preconceitos até mesmo por parte de muitos profissionais da saúde, que, dominados pelo discurso estigmatizante e demonizador das substâncias proibidas e de quem as consome, ainda desconhecem ou resistem a aderir às mais eficazes ações terapêutico-assistenciais fundadas no paradigma da redução de riscos e danos.
Esse quadro precisa mudar. É preciso que nos mobilizemos para legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas.
Legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas é necessário para afastar medidas repressivas violadoras de direitos fundamentais e assim preservar a democracia. Legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas é necessário para pôr fim à enorme parcela de violência provocada pela proibição. Legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas é necessário para efetivamente regular e controlar o mercado e verdadeiramente proteger a saúde. 
A realidade e a história demonstram que o mercado das drogas não desaparecerá, nada importando a situação de legalidade ou ilegalidade. As pessoas – e especialmente os adolescentes – continuarão a usar substâncias psicoativas, como o fazem desde as origens da história da humanidade, nada importando a proibição. As pessoas – e especialmente os adolescentes – estarão mais protegidas com o fim da proibição, tendo maiores possibilidades de usar tais substâncias de forma menos arriscada e mais saudável. 
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No caso do crack, há muito que se aprender com as experiências de fornecimento supervisionado de heroína, desenvolvidas pioneiramente na Suíça. Foram instaladas clínicas onde os usuários de heroína poderiam entrar e injetar a droga até tres vezes ao dia, com seringas limpas, sob supervisão médica. Mas, lá estavam também assistentes sociais, educadores e especialistas em mercado de trabalho, tentando fazer com que seus clientes deixassem a heroína e construindo uma relação de confiança com eles. Os resultados foram a inocorrência de qualquer morte por overdose relacionada a esse projeto, a menor taxa per capita de AIDS e hepatites dentre todos os países da Europa, e até mesmo o declínio no número de novos usuários em heroína. 
Naturalmente, há de se ter claro que o problema mais grave da maior parte dos usuários de crack no Brasil não é o crack em si mesmo. Está sim em suas precárias condições de vida, na privação de direitos básicos, na miséria. Antes de tudo, portanto, é preciso priorizar a mudança da trágica história brasileira de desigualdade, pobreza e exclusão. 
E o fim da proibição, o fim da política antidrogas, o fim da insana e nefasta guerra às drogas, além de afastar tantos riscos e danos, pode ainda contribuir para essa mudança. 
A arrecadação de impostos conseqüente à legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas, somada à recuperação das enormes quantias desviadas para a repressão, poderá permitir o emprego desse dinheiro em ações governamentais efetivamente voltadas para o bem-estar das pessoas.
Como ressalta o diretor-executivo da LEAP-Law Enforcement Against Prohibition, Jack A. Cole, em relação aos EUA, os 70 bilhões de dólares anualmente gastos na guerra às drogas, com o fim da proibição, deveriam ser redirecionados para programas que oferecem esperança para o futuro das pessoas. Diz ele: “Ao invés de pensar em gastar esse dinheiro em sentenças condenatórias mais rigorosas do tipo mandatory minimum, imaginemos um mundo onde legalizamos as drogas hoje e, no próximo ano, gastamos 70 bilhões de dólares para criar uma mandatory minimum educação para todos, mandatory minimum programas de saúde para todos. E que tal pensar em alguma forma de moradia básica para todos, treinamento profissional e emprego para todos aqueles que desejarem trabalhar? E ao invés de falar em salários mínimos, vamos falar em salários decentes.”
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A proibição – como sempre costumo dizer – somente se sustenta por um verdadeiro entorpecimento da razão.
Somente uma razão entorpecida pode crer que a criminalização das condutas de produtores, comerciantes e consumidores de algumas dentre as inúmeras substâncias psicoativas, artificialmente selecionadas para serem objeto da proibição e assim se tornarem drogas ilícitas, sirva para deter uma busca de meios de alteração do psiquismo, que deita raízes na própria história da humanidade.
Somente uma razão entorpecida pode admitir que, em troca de uma ilusória contenção desta busca, o próprio Estado fomente a violência, que, sempre vale repetir, só se faz presente nas atividades de produção e comércio das selecionadas drogas tornadas ilícitas porque seu mercado é ilegal.
Somente uma razão entorpecida pode autorizar que, sob este mesmo ilusório pretexto, se imponham restrições à liberdade de quem, eventualmente, queira causar um dano à sua própria saúde.
Dra Maria Lúcia Karam
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Somente uma razão entorpecida pode conciliar com uma expansão do poder punitivo, que, produzindo leis violadoras de clássicos princípios garantidores, ameaça os próprios fundamentos da democracia.
Já é tempo de recobrar a razão, perceber os riscos, os danos e os enganos causados pela proibição, se libertar das censuras do discurso único e proclamar, em alto e bom som, a urgente necessidade de promoção de uma radical reforma das convenções internacionais e das legislações internas sobre essa matéria, para legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas
Texto apresentado em palestra realizada em 6 de maio de 2010 no I Simpósio Sul-Americano de Políticas sobre drogas: crack e cenários urbanos, promovido pela Subsecretaria de Políticas Antidrogas da Secretaria de Esportes e Juventude do Estado de Minas Gerais – Belo Horizonte-MG.
Do site http://www.leapbrasil.com.br e vá em textos e clique.

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