Compasso e Esquadro

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sábado, 7 de junho de 2014

Direitos Humanos, laço social e drogas: por uma política solidária com o sofrimento humano(*)


Dra Maria Lúcia Karam LEAP
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LEAP - Direitos Humanos, laço social e drogas:  por uma política solidária com o sofrimento humano(*) Maria Lucia Karam (**) Substâncias psicoativas são usadas desde as origens da história da humanidade. Basta pensar que o primeiro milagre de  Jesus foi a transformação de água em vinho nas bodas de Canaã. Já a proibição, que tornou ilícitas algumas dessas substâncias, nem sempre existiu. A proibição efetivada através da criminalização das condutas de produtores, comerciantes e consumidores das drogas tornadas ilícitas é fenômeno que se registra, a nível global, somente a partir do século XX. 

Com a proibição, pretendeu-se atingir uma inviável abstinência como suposta solução para evitar os riscos e danos eventualmente decorrentes do consumo das substâncias proibidas. A pregação da abstinência de drogas como forma ideal de evitar riscos e danos à saúde é evidentemente tão inútil quanto a proposta de abstinência sexual como forma ideal de evitar doenças sexualmente transmissíveis ou uma gravidez indesejada.
A pretensão de evitar todos os riscos da vida é obviamente inviável. 
Como precisamente lembrava Riobaldo, nos Grandes Sertões, “viver é muito perigoso”...   
Fosse apenas uma inviável e inútil pretensão, a pregação da abstinência do consumo de drogas não causaria maiores preocupações: se esvaziaria em sua própria irracionalidade. 

Conferência na abertura do VII Seminário Nacional Psicologia e Direitos Humanos, 
promovido pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia 
(CFP) – Brasília-DF – novembro 2011. 
(**)
Dra Maria Lúcia Karam no Seminário
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 Maria Lucia Karam é juíza aposentada no Rio de Janeiro e membro da diretoria  da Law Enforcement Against Prohibition (LEAP). A LEAP (www.leap.cc  e www.leapbrasil.com.br) é uma organização internacional criada para dar voz a policiais, juízes, promotores e demais integrantes do sistema  penal (na ativa ou aposentados) que, compreendendo os danos e sofrimentos provocados pela “guerra às drogas”, lutam pela legalização e conseqüente regulação da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas. Mas, essa vazia pregação se transformou em uma política globalmente imposta, que se valendo da ilegítima intromissão estatal na liberdade individual, da desastrada intervenção do sistema penal sobre o mercado produtor e distribuidor e, nos últimos quarenta anos, até mesmo da declaração de uma insana e sanguinária guerra

1 (como insanas e sanguinárias são todas as guerras), introduziu (ou  re-introduziu) o paradigma bélico na atuação do poder punitivo, destruindo vidas e espalhando violência, mortes, prisões, estigmas, doenças, sem sequer obter qualquer resultado significativo, nem se diga na irracional pretensão de 
acabar com o consumo das selecionadas drogas tornadas ilícitas, mas nem mesmo na redução da circulação das substâncias proibidas. 
  O evidente fracasso do suposto “controle penal” nitidamente se revela em estudo periodicamente realizado nos EUA sobre atitudes de estudantes em relação a drogas: os adolescentes nas escolas médias norteamericanas reiteradamente relatam que é mais fácil comprar drogas ilícitas do que cerveja e cigarros.
2 Com efeito, após cem anos da globalizada proibição  com seus quarenta anos da nociva, insana e sanguinária “guerra às drogas”, o resultado visível é que as substâncias proibidas foram se tornando mais baratas, mais potentes, mais facilmente acessíveis e mais diversificadas. 
A economia demonstra a inevitável ineficácia da política proibicionista. Guerra, mortes, prisões em nada afetam o fornecimento das drogas tornadas ilícitas. Patrões e empregados das empresas produtoras e distribuidoras, mortos ou presos, logo são substituídos por outros igualmente interessados em acumular capital ou necessitados de trabalho. A repressão apenas cria incentivos econômicos e financeiros para que outros indivíduos entrem no mercado e preencham o vazio deixado pelos que são mortos ou encarcerados. Por maior que seja  a repressão, as oportunidades de trabalho e de acumulação de capital subsistirão enquanto estiverem presentes as circunstâncias sócio-econômicas favorecedoras da demanda que impulsiona o mercado.  
Onde houver demanda, sempre haverá oferta – demanda que, nesse caso das drogas, vale repetir, acompanha toda a história da humanidade. A realidade não pode deixar de obedecer às leis da economia. As artificialmente criadas leis penais não têm o poder de revogar as naturais leis econômicas. A proibição do desejo simplesmente não funciona. O estrondoso e inevitável fracasso das políticas antidrogas, em seus declarados objetivos de erradicar as substâncias proibidas ou reduzir sua 
circulação, já deveria ser razão suficiente para o abandono da globalização.

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